Alerta
Regulamentação de apostas esportivas: o que diz a Portaria SPA nº 1.143/2024 sobre prevenção à lavagem de dinheiro?
Na última sexta-feira, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda (MF) publicou a Portaria SPA/MF nº 1.143/2024, dando seguimento à agenda regulatória para a exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como apostas esportivas.
A norma estabelece os procedimentos e controles internos a serem adotados pelos agentes operadores de apostas de prevenção à lavagem de dinheiro, de que trata a Lei Federal nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), do financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) e de outros delitos correlatos, bem como no cumprimento das obrigações impostas pela Lei de Lavagem de Dinheiro e pela Lei Federal nº 13.810/2019, que trata do cumprimento de sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (“CSNU”).
Ao dispor que os operadores das apostas esportivas deverão adotar e implementar políticas, procedimentos e controles internos de PLD/FTP são estabelecidos parâmetros mínimos de atuação. A não observância dessas disposições pode sujeitar o operador a procedimento sancionador previsto na Lei de Lavagem de Dinheiro.
Nas políticas internas, deve haver:
- definição de papéis e responsabilidades, sem prejuízo do previsto no art. 12 da Lei Federal nº 9.613/1998, que já prevê responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas;
- identificação, avaliação, análise e mitigação dos riscos de que novos produtos, serviços ou tecnologias possam ser utilizados para práticas de lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (“LD/FTP”) ou outros delitos correlatos;
- desenvolvimento, implementação e execução de programa de conformidade que contemple disseminação de cultura organizacional de prevenção à LD/FTP, incluindo integridade, boa governança e agenda ESG, para funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados; e
- realização periódica e contínua de atividades de informação e capacitação em matérias de prevenção à LD/FTP e a outros delitos correlatos, contemplando funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados.
Os procedimentos internos compreendem a identificação, qualificação e classificação de risco de apostadores e usuários da plataforma, bem como de funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados. Além disso, incluem a avaliação e classificação de risco de suas atividades relativas à operacionalização de apostas em suas atividades negociais, contratação e desenvolvimento de produtos, operações com ativos financeiros e imobiliários, bem como na contratação de funcionários, parceiros e terceirizados.
Como medidas previstas para controles internos, há os deveres de registro e de manutenção de informações relativas às suas atividades operacionais, negociais e de administração, a manutenção de cadastro atualizado de apostadores e usuários da plataforma, bem como de funcionários, parceiros e terceirizados.
São previstos ainda o monitoramento da conformidade das instituições de pagamento e instituições financeiras com as quais mantenha relacionamento – em relação à autorização do Banco Central do Brasil para o seu funcionamento e da efetividade da política adotada e da aderência à regulação governamental que contemple a identificação e a correção de deficiências verificadas –, bem como o monitoramento, seleção e análise de operações e atividades, relativas ou não à operacionalização de apostas, para fins de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“Coaf”), das transações consideradas suspeitas, na forma da Lei de Lavagem de Dinheiro
Avaliação de Riscos
A portaria traz ainda a necessidade da realização de uma avaliação interna anual com o objetivo de identificar e mensurar riscos, incluindo a definição de matriz de riscos, tudo devidamente documentado e que deve contemplar:
- apostadores e usuários da plataforma;
- o próprio agente operador de apostas, levando em conta a especificidade do seu modelo de negócio;
- funcionários, colaboradores, fornecedores e parceiros terceirizados; e
- operações, produtos e serviços, levando em conta canais de distribuição e utilização de tecnologias.
Na avaliação de riscos, devem ser consideradas a probabilidade de ocorrência e a magnitude dos impactos financeiro, jurídico, reputacional e socioambiental, além de reforço de medidas em situações de maior risco e a simplificação de medidas para situações de menor risco.
Com relação ao cadastramento e identificação de apostadores ou de usuários da plataforma, é prevista a necessidade da adoção procedimentos de identificação que permitam verificar e validar a identidade de apostadores ou de usuários, sem prejuízo de eventual necessidade de autenticação para a realização de apostas ou outras operações dentro da plataforma e de atualização, em caso de mudança de perfil de risco.
É previsto também o ajuste do nível de verificação e de validação das informações, de acordo com o perfil de risco da pessoa a ser identificada, passando pela capacidade financeira e a sua caracterização ou não como pessoa exposta politicamente (PEP), que perdura por cinco anos contados da data em que a pessoa deixa de figurar em posição que a enquadre nessa condição.
Além dos controles com relação aos apostares, é prevista a responsabilidade do agente operador de apostas pela implementação de mecanismos que obstem o cadastramento dos impedidos de apostar previstos na Lei Federal nº 14.790/2023.
Funcionários, Parceiros e Prestadores de Serviços Terceirizados
A portaria ainda estabelece a implementação dos procedimentos KYE, KYS, KY3P, ou seja, conheça seus funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados, incluindo procedimentos de identificação e qualificação para avaliação e mitigação de riscos, com validação, atualização e retenção (no mínimo, 5 anos, a contar do término do vínculo) pelo agente operador de apostas.
Procedimentos de Monitoramento, Seleção e Análise
A seção mais específica da Portaria é relacionada à obrigação da implantação de procedimentos de monitoramento, seleção e análise de apostas e operações a elas associadas com o objetivo de identificar aquelas que possam configurar indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato.
Esses procedimentos deverão permitir a identificação das apostas e operações a elas associadas, devendo constar suas características, partes e demais envolvidos, valores, modalidade de aposta e forma de pagamento, com especial preocupação com relação a apostas e operações a elas associadas que sinalizem ausência de racional econômico ou falta de fundamento legal, incompatibilidade com práticas usuais da atividade ou de mercado e possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato, o que se associa com tipologias mais frequentes no setor.
A portaria já antecipa a necessidade de análise com especial atenção a apostas e operações a elas associadas que envolvam as seguintes pessoas e condutas suspeitas:
Pessoas
- envolvidas ou suspeitas de envolvimento em atividades tipificadas como crime de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro;
- que tenham cometido ou tentado cometer, facilitar ou participar de práticas de terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa ou seu financiamento; e
- domiciliadas em jurisdição considerada pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) como de alto risco ou com deficiências estratégicas em matéria de PLD/FTP ou em países ou dependências qualificados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) como de tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado.
Condutas suspeitas
- resistência do apostador ou usuário da plataforma em fornecer informações adicionais;
- prestação de informações falsas ou de difícil verificação, notadamente para a formalização de cadastro, abertura de conta, registro de aposta ou outra operação na plataforma de apostas;
- aporte de valores sobre os quais recaia suspeita quanto à sua origem;
- pagamento de prêmio sobre o qual recaia suspeita de utilização para LD/FTP ou fraude;
- pagamento de prêmio de aposta sobre o qual recaia suspeita de manipulação de resultados, nos termos do art. 177 da Lei Federal nº 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte);
- incompatibilidade entre as operações realizadas por apostador e seu padrão habitual de atividades, suas informações ocupacionais ou sua aparente situação financeira;
- movimentação atípica de valores de forma que possa sugerir o uso de ferramenta automatizada por parte do apostador;
- aporte ou retirada de valores, em um curto tempo, que possa sugerir fracionamento ou dissimulação de operação;
- retirada, ou tentativa de retirada, de recursos da conta transacional de apostador, logo após a realização de depósito, sem a efetivação de aposta;
- utilização indevida de conta por outra pessoa que não seu titular;
- indício da utilização de conta por intermediador que realize apostas para outras pessoas;
- aportes em quantidade que possa sugerir a prática de intermediação de apostas;
- aposta na categoria bolsa de apostas (bet exchange) na qual haja indício de arranjo por dois ou mais apostadores em apostar em resultados diferentes, com a finalidade de realizar transferência de valores entre si, visando a prática de LD/FTP;
- contas abertas em nome de pessoa exposta politicamente (PEP);
- dificuldade ou inviabilidade de coletar, verificar, validar ou atualizar informações cadastrais de apostadores ou usuários da plataforma; e
- quaisquer características que sinalizem, notadamente por seu caráter não usual ou atípico, possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato.
O procedimento de análise, que deve ser concluído em 30 dias, contados da data da aposta ou da operação a ela associada, deve reunir os elementos com base nos quais se conclua pela configuração, ou não, de possível indício de práticas de LD/FTP ou outros delitos correlatos.
Comunicação ao Coaf pelo agente operador
O agente operador de apostas deve comunicar ao Coaf apostas e outras operações a elas associadas quanto às quais se conclua, após análise acima mencionada, a existência de indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato. Essas comunicações devem ser realizadas até o dia útil seguinte ao da conclusão do procedimento de análise pelo agente operador. Caso o agente operador não identifique ao longo de um ano civil aposta ou outra operação associada que devesse comunicar ao Coaf, deverá encaminhar à SPA a comunicação de não ocorrência.
Procedimentos para cumprimento de normas do CSNU
Por fim, merece destaque a expressa previsão que impõe a adoção de adotar procedimentos para cumprir resoluções do CSNU ou designações de seus comitês de sanções que determinem a indisponibilidade de ativos de titularidade, direta ou indireta, de pessoas físicas, de pessoas jurídicas ou de entidades submetidas a sanções decorrentes de tais resoluções ou designações, o que obriga, ainda, o acompanhamento das listas mantidas pelo CSNU e por seus comitês de sanções com as pessoas e entidades alcançadas pelas determinações de indisponibilidade de ativos.
Apesar de a Portaria entrar em vigor na data de sua publicação, as regras de fiscalização, monitoramento e sanção pelo seu descumprimento serão implementadas pela SPA a partir de 1º de janeiro de 2025.
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