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  • 17 abril 2023

Portaria 351/2023 e as políticas para as redes sociais

A edição da Portaria nº 351/2023 se deu em resposta às publicações frequentes em redes sociais incitando a violência e ataques em escolas.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou, em 12 de abril, a Portaria nº 351/2023, que dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do MJSP para a prevenção à disseminação de conteúdo ilícito, prejudicial ou danoso em redes sociais.

O ato administrativo veio como uma resposta aos atos violentos que vem ocorrendo em escolas brasileiras e às ameaças de novos ataques que têm circulado nas redes sociais. No entanto, apresenta uma série de pontos controversos, que podem ser questionados tanto do ponto de vista de sua legalidade, quanto de sua efetividade prática, conforme será detalhado mais adiante.

A Portaria nº 351/2023 reforça as obrigações estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor às plataformas de redes sociais, como fornecedoras nos termos da lei, ao indicar que devem observar, na prestação de seus serviços, o direito à segurança do consumidor e zelar pela qualidade de seus serviços, incluindo o cumprimento de seus próprios termos de uso.

Além disso, a Portaria nº 351/2023 aponta que as plataformas de redes sociais não são meras exibidoras de conteúdo publicados por terceiros, devendo responder por ato próprio por situações decorrentes do design da plataforma e de todas as formas de sua ingerência e influência no fluxo informacional.

De modo a operacionalizar as medidas preventivas à circulação de conteúdo ilícito em tais redes, a Portaria confere atribuições à Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e à Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).

Atribuições da Portaria nº 351/2023 à SENACON

A Portaria atribui ao SENACON o dever de instaurar processo administrativo para apuração e responsabilização das plataformas de rede social por possível descumprimento de seu dever geral de segurança e cuidado quanto à propagação de conteúdo ilícito que incentive ataques contra ambiente escolar ou faça apologia ou incitação de crimes desta natureza.

Para tanto, o SENACON poderá, dentre outros, requisitar das plataformas relatórios sobre medidas adotadas para monitoramento e restrição de conteúdo desta natureza, a indicação das medidas proativas adotadas para limitação deste conteúdo e o desenvolvimento de protocolos para lidar com situações de crise.

Adicionalmente, caberá ao SENACON requisitar que as plataformas de redes sociais adotem medidas de mitigação relativas aos riscos sistêmicos decorrentes do funcionamento de seus sistemas, incluindo os algoritmos utilizados para impulsionamento de conteúdo, considerando os efeitos negativos previsíveis da propagação de conteúdo ilícito. A título de exemplo, a Portaria nº 351/2023 indica que para estas medidas devem ser considerados riscos relacionados ao acesso, por crianças e adolescentes, de conteúdo inadequado para a idade, bem como o risco de propagação e viralização de conteúdo de extremismo violento ou que incentive ataques em ambiente escolar.

Atribuições da Portaria nº 351/2023 à SENASP

De acordo com a Portaria, a SENASP deverá coordenar o compartilhamento entre as plataformas de redes sociais e as autoridades competentes dos dados que permitam a identificação do usuário ou do terminal de conexão com a internet que disponibilizou o conteúdo ilícito, cabendo, ainda, à SENASP, requerer a adoção de medidas que uniformizem o atendimento das autoridades competentes.

Ainda, a SENASP deverá orientar as plataformas a impedir a criação de novos perfis ou contas a partir de endereços IP em que já foram detectadas atividades ilegais referentes a conteúdos que incentivem ataques em escolas ou façam incitação ou apologia de crimes desta natureza.

Por fim, o documento ainda prevê a instituição, pelo órgão, de um banco de dados de conteúdos ilegais relacionados ao escopo da Portaria, que deverá ser compartilhado entre as plataformas de redes sociais para facilitar a identificação de tal conteúdo por sistemas automatizados, com o objetivo de auxiliar na limitação da circulação de postagens desta natureza em redes sociais.

Pontos controversos

Embora a Portaria possua objetivo louvável e corresponda a uma resposta do Governo Federal à situação grave e de grande repercussão social, existem pontos controversos no documento, que podem, inclusive, afetar sua aplicabilidade prática.

Ponto relevante diz respeito à previsão de bloqueio de novos perfis oriundos do mesmo endereço IP a partir do qual foram detectadas atividades ilegais. Na prática, a maior parte dos usuários de internet no Brasil não possui IP de conexão fixo e, além disso, um mesmo endereço IP pode ser compartilhado por diversos usuários, por meio, por exemplo, de redes públicas. Além disso, trata-se de medida facilmente burlável por meio de uso de tecnologias que mascaram o IP de origem da conexão, como VPN.

Ainda, a determinação de fornecimento a autoridades de informações capazes de identificar o terminal de conexão com a internet que deu origem ao conteúdo ilícito pode conflitar com a Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), que prevê que apenas dados cadastrais sobre usuários de internet podem ser fornecidos por requerimento de autoridade, dependendo o fornecimento de registros de acesso à aplicação de internet (endereço IP com data e hora de acesso) de ordem judicial.

Por fim, a Portaria busca delimitar a responsabilidade das plataformas de redes sociais pelo impulsionamento do conteúdo publicado pelos usuários, na medida em que divulgação do conteúdo é feita por seus próprios algoritmos. Ou seja, muito embora o Marco Civil da Internet estabeleça, em seu artigo 19, que os provedores de aplicação de internet, como as plataformas de redes sociais, só podem ser responsabilizados por conteúdo infringente publicado por seus usuários em caso de descumprimento de ordem judicial determinando sua remoção, a Portaria aponta que estes provedores são responsáveis pela disseminação do conteúdo nas próprias plataformas, considerando que tal disseminação é feita com base em parâmetros estabelecidos pelo provedor.

Esta posição, inclusive, é semelhante à tese defendida pelos autores do caso Gonzalez v. Google LLC, ação judicial em curso nos Estados Unidos que ganhou holofotes no debate público recentemente, na qual o pai de uma vítima fatal de atentado terrorista ocorrido na França busca responsabilizar o provedor de internet pela propagação do conteúdo do grupo terrorista ISIS, que assumiu a autoria do atentado, na plataforma YouTube.

De acordo com a tese, muito embora o Google não fosse autor do conteúdo que incitava o ataque, ele também seria responsável pelo resultado danoso, na medida que seu algoritmo sugere conteúdo aos usuários, com base em seu histórico, auxiliando o ISIS a espalhar sua mensagem e recrutar membros. O caso ainda aguarda julgamento pela Suprema Corte norte-americana.

Outras discussões relacionadas à responsabilização de plataformas de redes sociais

O debate acerca das limitações de responsabilidade de provedores de plataformas de internet que divulgam conteúdo publicados por terceiros tem sido frequente nos últimos anos, permeando discussões como violência nas escolas e combate a fake news.

No Brasil, há discussão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o modelo de responsabilidade previsto atualmente aos provedores de aplicação de internet. O Recurso Extraordinário n° 1037396 (Tema de Repercussão Geral n° 987) discute especificamente a constitucionalidade do supramencionado artigo 19 do Marco Civil da Internet, tendo diversos players, incluindo sociedades empresárias e representantes da sociedade e de setores econômicos, se manifestado nos autos, requerendo sua inclusão como amicus curiae para colaborar com os debates. A ação ainda pende julgamento pelo STF.

Além disso, o Projeto de Lei n° 2630/2020, conhecido popularmente com “PL das Fake News”, foi proposto na Câmara dos Deputados com o objetivo de estabelecer normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, prevendo diversas obrigações a estes provedores para o combate à disseminação de informações falsas nas plataformas por eles geridas. O “PL das Fake News” encontra-se aguardando a criação de comissão especial pela Mesa Diretora da Câmara, para proferir parecer sobre o projeto.

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