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  • 11 setembro 2023

O CADE e as declarações de executivos de companhias abertas como potenciais ilícitos antitruste

Conferências de demonstração de resultados, apresentações institucionais e eventos diversos voltados à informação do mercado e de acionistas são essenciais para companhias de capital aberto, no exercício do princípio do full disclosure e para fortalecer a relação de confiança com investidores.

No entanto, esse tipo de evento pode levantar questionamentos da perspectiva concorrencial, a depender do teor das informações divulgadas ao mercado, devido à possibilidade de que a divulgação de dados sobre a atual situação econômico-financeira da empresa e suas perspectivas possa ser considerada uma infração à ordem econômica, especialmente se versarem sobre perspectivas de precificação e quantidade ofertada. A este respeito, cumpre esclarecer que a legislação concorrencial brasileira permite que sejam puníveis atos que, lícitos a priori, sejam capazes de gerar efeitos anticompetitivos.

Apenas no primeiro semestre de 2023, o CADE instaurou, de ofício, duas investigações acerca da possibilidade de falas públicas de executivos, no contexto de declarações a investidores, serem interpretadas como uma indução ou influência à conduta comercial uniforme entre competidores. Em ambos os casos, as investigações foram motivadas pela publicação de matérias jornalísticas contendo informações divulgadas por executivos no contexto de demonstração de resultados trimestrais. Segundo a autoridade: “a divulgação de potenciais informações concorrencialmente sensíveis, especialmente por agente econômico com considerável participação de mercado, ainda que por meio de anúncios públicos, poderia apontar possível indução e/ou influência de conduta uniforme entre concorrentes.”[1]

Quanto ao primeiro processo, o objeto de análise da Superintendência-Geral (SG) do CADE foram algumas afirmações proferidas pelo CEO de empresa do setor aéreo, sobre políticas futuras de preços, participação de mercado e abertura e fechamento de rotas no mercado de transportes aéreo de passageiros. Nesse caso, as falas contidas na matéria jornalística que suscitaram preocupação da autoridade concorrencial foram no sentido de que a empresa “não vai reduzir preço para ganhar fatia do mercado“; “e “Não está nas minhas metas ser líder (de mercado). Não vamos ganhar market share se não for de forma rentável. As margens precisam crescer ainda”.

Quanto ao conteúdo das declarações, a SG destacou que a possibilidade de troca de informações comercialmente sensíveis ou manifestações dirigidas a concorrentes com o intuito de gerar a adoção de comportamentos uniformes é uma preocupação latente da autoridade, e que, apesar da legitimidade de divulgação de informações de mercado, os agentes econômicos devem observar as normas concorrenciais vigentes.

Já a segunda investigação foi instaurada em face de empresa do setor de telecomunicações, em razão de matérias jornalísticas que mencionam declarações feitas pelo CEO da empresa durante a teleconferência realizada para divulgar os resultados da companhia do primeiro trimestre de 2023. Referidas matérias contêm reflexões sobre a possibilidade de ajustes nos preços dos planos oferecidos pela empresa tanto na telefonia móvel quanto nos produtos fixos que utilizam fibra, tais como: “promove reajuste no pré-pago e espera que mercado siga a tendência” e “vai subir preços do pré-pago e espera servir de exemplo para outras teles”.

Em outros momentos, tanto a SG quanto o MPF já recomendaram a condenação desse tipo de conduta, a exemplo do Processo Administrativo n° 08700.005438/2021-31. Neste caso, o hipotético convite à cartelização teria ocorrido durante um workshop da Sindalcool, referente à abertura da Safra 2021/2022. A SG alega que, durante o evento, o Diretor Presidente de uma das empresas associadas teria externado a possibilidade de “ordenar a ofertae sugerido a realização de reuniões mensais entre os agentes.

Ao mesmo tempo, essa investigação também aponta que na mesma reunião houve comentários acerca da comercialização do etanol, inclusive com recomendações de formas e momentos de ofertar, que não foram considerados ilícitos a princípio, pois realizados por consultores externos com base em dados públicos, tendo isto sido considerado “saudável para o bom funcionamento do mercado” por gerar mais subsídios para a tomada de decisões dos agentes econômicos.

De modo geral[2], informações concorrencialmente sensíveis são informações específicas (não agregadas) e que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos. Pode-se citar como exemplo dessas informações dados sobre: custos de operação, estratégias competitivas, precificação, planos de expansão; salários de funcionários, etc.

Nesse contexto, quando porta-vozes das empresas divulgam ao mercado e investidores informações e dados relacionados a suas estratégias ou tendências futuras de precificação, de volume de produção, ou de entrada ou saída em dado mercado ou região, por exemplo, referidas declarações podem ser interpretadas pela autoridade antitruste como um convite ao conluio entre concorrentes, por exemplo.

Para além de informações divulgadas diretamente pelas empresas, esse tipo de preocupação também pode se dar em outros contextos. Um bom exemplo são declarações públicas de representantes de associações comerciais em eventos e até mesmo no âmbito de processos legislativos.  Informações referentes a comportamentos futuros dos agentes de dado mercado – ainda que hipotéticos – podem ser sensíveis do ponto de vista concorrencial.

Vale destacar que esse tipo de preocupação não é inédito no âmbito do CADE, mas parece que voltou ao radar da autoridade mais recentemente. No que concerne à atuação de autoridades estrangeiras, no primeiro semestre de 2022, a presidente do FTC alertou que as falas de CEOs podem estar, indiretamente, incentivando práticas de conluio ao mencionarem os aumentos de preços causados pela inflação norte americana em discussões públicas. Segundo esse posicionamento, em um contexto de demonstração de resultados financeiros, executivos têm aproveitado o cenário inflacionário para justificar o aumento de preços e explorar o poder de mercado, o que pode ser interpretado como uma sinalização a concorrentes sobre certos tipos de estratégias de colusão.

Apesar disso, tais preocupações podem ser sanadas com uma assessoria jurídica adequada, de modo a orientar tanto a forma quanto o conteúdo dessas declarações. Quanto ao primeiro processo citado nessa notícia, a SG decidiu pelo arquivamento do procedimento, pois entendeu que as declarações investigadas continham informações genéricas e análises gerais de mercado e da estratégia da companhia, não vislumbrando, a princípio, indícios de infração à ordem econômica.. Já as duas outras investigações estão pendentes de análise pelo CADE.

Vê-se, assim, que as autoridades concorrenciais vêm dedicando mais atenção a declarações públicas que, apesar de aparentemente inofensivas, podem representar uma ameaça à competição, pois sinalizam ou induzem comportamentos de terceiros. Nesse sentido, é altamente recomendável que as empresas adotem as devidas medidas de compliance e uma abordagem estratégica que possibilite equilibrar a divulgação de informações relevantes ao mercado com a garantia de que tais declarações não configurem ilícito concorrencial.

[1] Procedimento Preparatório nº 08700.001819/2023-11.

[2]Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica. Disponível aqui

Nosso escritório conta com uma equipe especializada em Concorrencial e Antitruste. Para obter esclarecimentos sobre temas relacionados à concorrência e compliance no CADE, ou outros temas que sejam de seu interesse, por favor, entre em contato com nossos profissionais.

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