Alerta
ANPD publica Enunciado sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou, no dia 24 de maio, o Enunciado CD/ANPD Nº 1 de 22 de maio de 2023 (Enunciado), sobre a aplicação das hipóteses legais[1] previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para amparar o tratamento de dados de crianças e adolescentes. Por meio do Enunciado, a ANPD reconheceu a possibilidade de que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes seja realizado com base em quaisquer das hipóteses legais previstas na LGPD, desde que respeitado o melhor interesse da criança ou adolescente.
O que é um Enunciado da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)?
O Enunciado é um instrumento deliberativo com o fim de interpretar a legislação, sendo um ato próprio do Poder Público, possuindo efeitos vinculantes perante a ANPD. Deste modo, o instrumento fixou o posicionamento oficial da ANPD sobre o tema, a fim de padronizar a interpretação do artigo 14 da LGPD[2], de modo a propiciar maior segurança jurídica diante das variadas correntes interpretativas sobre o assunto.
O que diz o Enunciado sobre o tratamento de dados de crianças e adolescentes ?
O Enunciado publicado pela ANPD indica que:
“O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), desde que observado e prevalecente o seu melhor interesse, a ser avaliado no caso concreto, nos termos do art. 14 da Lei.”
O texto do Enunciado deixa claro que os dados de crianças e adolescentes podem ser tratados, a depender do contexto e da atividade, com base em quaisquer das hipóteses legais previstas na LGPD para dados pessoais[3] (art. 7º) e para dados pessoais sensíveis[4] (art. 11). Resta, portanto, superada a discussão sobre o tema e as outras correntes interpretativas acerca do artigo 14 da LGPD, que defendiam que o tratamento de dados de crianças poderia ocorrer somente com base no consentimento de um dos pais ou responsável legal.
Na prática, a defesa do consentimento como única base legal para o tratamento dos dados pessoais de crianças, embora correspondesse à interpretação literal e mais conservadora da LGPD, acarretava uma série de impactos e obrigações aos controladores de dados, na medida em que exigia a implementação de mecanismos de obtenção e gestão do consentimento em situações potencialmente abarcadas por outras bases legais.
O Enunciado, portanto, é bem-vindo, ao reconhecer que a hipótese legal mais adequada à atividade é a que deve ser aplicada ao tratamento de dados de crianças, devendo o consentimento ser aplicado apenas quando for efetivamente a melhor hipótese legal no caso concreto.
Vale lembrar que, em um estudo preliminar de caráter não exaustivo publicado em 05 de setembro de 2022, a ANPD já havia sugerido uma proposta de enunciado muito semelhante ao recentemente publicado e avaliado que a adequação de uma atividade de tratamento de dados ao melhor interesse[5] da criança ou do adolescente, deve ser apurada de acordo com a situação concreta.
Apresentamos mais informações sobre esse estudo preliminar no Boletim de Proteção de Dados do Lefosse 10/2022.
Continuidade da atividade regulamentadora pela ANPD
Ao divulgar a publicação do Enunciado, a ANPD ressaltou que o tratamento de dados de crianças e adolescentes ainda será objeto da atividade regulatória do órgão[6]:
- Agenda Regulatória da ANPD: A ANPD pontuou que a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes vem sendo estudada com maior profundidade pela Coordenação-Geral de Normatização, e ressalta que o assunto consta na Agenda Regulatória para o biênio 2023-2024 da ANPD (Agenda) [7].
- Guia Orientativo sobre Legítimo Interesse: A respeito de próximas publicações orientativas, a ANPD afirmou que está trabalhando na elaboração de um Guia Orientativo sobre Legítimo Interesse, hipótese legal que é alvo de muitas discussões. De acordo com a ANPD, o documento trará orientações específicas para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes com base no legítimo interesse dentro dos parâmetros do princípio do melhor interesse.
A íntegra do Enunciado está disponível aqui.
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[1] Hipóteses o legais (também conhecidas como bases legais) são as hipóteses previstas na lei que justificam ou autorizam o tratamento de dados pessoais cada em cada atividade. As hipóteses legais para tratamento de dados pessoais estão previstas no art. 7º da LGPD, e as que se aplicam a dados pessoais sensíveis, no art. 11 da LGPD.
[2] Art. 14, caput da LGPD: “O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente. § 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal”.
[3] Dado pessoal (art. 5º, I da LGPD): “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”.
[4] Dado pessoal sensível (art. 5º, II da LGPD): “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”
[5] Embora não conste menção expressa ao conceito de “melhor interesse” na Constituição Federal4 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Decreto n.º 99.710/1990, que ratificou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1989, trata deste conceito em seu art. 3.1: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”
[6] Disponível em https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-divulga-enunciado-sobre-o-tratamento-de-dados-pessoais-de-criancas-e-adolescentes. Acesso em 25.05.2023.
[7] A Agenda é um instrumento de planejamento que agrega as ações regulatórias consideradas prioritárias e que serão objeto de estudo ou tratamento pela autoridade. A Agenda classifica suas prioridades em fases, de 1 a 4, sendo o tema “Tratamento de dados de crianças e adolescentes” classificado como “Fase” 2. Sobre essa questão, além de analisar as possíveis hipóteses legais aplicáveis ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, a ANPD também menciona nesse tópico da Agenda que (i) ainda não foram consideradas as possíveis técnicas para aferição do consentimento ou para a aferição de idade de usuários de aplicações de internet; e (ii) existe a “necessidade de analisar os impactos de plataformas e jogos digitais na Internet na proteção de dados de crianças e de adolescentes”.
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