Alerta
Proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra aspectos do Marco Legal das Garantias
Em 14 de fevereiro de 2024, a Associação dos Magistrados Brasileiros (“AMB”) propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADIN”), cumulada com pedido de medida cautelar, em face dos artigos 6º, 9º e 10 da Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 (“Lei 14.711/2023”, ou “Marco Legal das Garantias”).
A saber, os artigos impugnados foram os que instituíram:
- procedimentos de busca e apreensão privada precedida de monitoramento privado do devedor (artigos. 8-B, 8-C, 8-D e 8-E do Decreto-Lei nº 911/1969, inseridos pelo art. 6º do Marco Legal das Garantias);
- a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca (art. 9º do Marco Legal das Garantias); e,
- a execução extrajudicial de garantia imobiliária sujeita a concurso de credores (art. 10 do Marco Legal das Garantias).
Em particular, os artigos 8-B, 8-C, 8-D e 8-E do Decreto-Lei nº 911/1969 (inseridos pelo art. 6º do Marco Legal das Garantias) tratam da consolidação da propriedade em casos de inadimplência em contratos de alienação fiduciária, permitindo, desde que haja previsão expressa no contrato em cláusula em destaque, dentre outros requisitos, que o credor promova a consolidação da propriedade perante o cartório de registro de títulos e documentos, no lugar do procedimento judicial previsto em Lei. Eles também detalham o procedimento para busca e apreensão extrajudicial de bens móveis, inclusive permitindo monitoramento privado do devedor e venda extrajudicial do bem apreendido.
Por sua vez, o artigo 9º do Marco Legal das Garantias instituiu a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca. Esse artigo permite que, após a comprovação da mora, o credor possa iniciar o procedimento de excussão extrajudicial da garantia hipotecária por meio de leilão público, sem intervenção judicial prévia. Isso inclui a possibilidade de o credor apropriar-se do imóvel ou promover sua venda direta em certas condições.
Por fim, o artigo 10º do Marco Legal das Garantias estabeleceu a execução extrajudicial da garantia imobiliária em concurso de credores, detalhando o procedimento para quando houver mais de um crédito garantido pelo mesmo imóvel. Esse dispositivo visa organizar a ordem de preferência entre os credores e a distribuição dos recursos obtidos a partir da excussão da garantia
Segundo a AMB, os artigos impugnados seriam inconstitucionais por afetarem diretamente o tecido da jurisdição estatal e os direitos constitucionais dos cidadãos. Os argumentos principais apresentados pela AMB para sustentar a inconstitucionalidade dessas normas incluem:
- Violação do Princípio do Devido Processo Legal (CF, art. 5º, LIV), pois os devedores poderiam perder a posse e a propriedade de seus bens sem a oportunidade de serem ouvidos por um juiz.
- Ofensa ao Princípio da Reserva de Jurisdição (CF, art. 5º, XI, e 5º, XXXV), pois a busca e apreensão e a execução de garantias seriam matérias e atos a ser exclusivamente decididos pelo Poder Judiciário.
- Violação ao Direito de Propriedade e à Inviolabilidade da Intimidade (CF, art. 5º, “caput” e X), pois a execução extrajudicial e a busca e apreensão privada de bens, sem a prévia autorização judicial, poderiam resultar na perda de bens de forma arbitrária, sem a proteção legal adequada.
- Violação ao Princípio da Segurança Jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), uma vez que a execução extrajudicial e medidas coercitivas sem supervisão judicial apresentam um risco significativo à segurança jurídica, subtraindo do Judiciário a capacidade de garantir a aplicação justa e equitativa das leis, podendo levar a abusos e decisões arbitrárias por parte dos credores.
- Violação ao Princípio da Igualdade (CF, art. 5º, “caput”), pois a execução extrajudicial coloca o devedor em uma posição de desvantagem significativa em relação ao credor, criando um desequilíbrio na relação entre as partes, favorecendo o credor de maneira desproporcional.
Nesse sentido, a AMB alega que as normas impugnadas violam princípios constitucionais essenciais, conforme acima mencionado, justificando, assim, a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Sobre o Marco Legal das Garantias
A ADIN apresentada pela AMB questiona dispositivos incorporados ao sistema legal brasileiro pelo Marco Legal das Garantias, que visa, entre outras finalidades, prover celeridade aos procedimentos de execução de garantias em operações de crédito, especialmente no que tange à alienação fiduciária e à hipoteca.
O principal objetivo do Marco Legal das Garantias é aprimorar a legislação de garantias do Brasil, facilitando a criação de garantias sobre ativos pouco utilizados em operações de crédito e aprimorando as regras existentes. Espera-se que as alterações introduzidas pela Lei 14.711/2023 contribuam para reduzir custos e aumentar a eficiência das operações de crédito.
Os artigos impugnados introduziram significativas mudanças na forma como as garantias são executadas no Brasil, buscando agilizar e tornar mais eficiente a recuperação de créditos. Eles são importantes, pois representam uma tentativa de modernizar e adaptar o sistema de garantias às necessidades do mercado de crédito, potencializando o uso de ativos como garantia e reduzindo os custos de operação, inclusive taxas de juros.
Para saber mais sobre o assunto, leia a nossa Newsletter sobre Marco Legal das Garantias.
Discussões semelhantes recentes – (RE 860631)
Conforme apresentado acima, a ADIN proposta pela AMB em face dos artigos 8-B, 8-C, 8-D e 8-E do Decreto-Lei nº 911/1969 (inseridos pelo art. 6º do Marco Legal das Garantias) trata da consolidação da propriedade em casos de inadimplência em contratos de alienação fiduciária, permitindo, desde que haja previsão expressa no contrato em cláusula em destaque, dentre outros requisitos, que o credor promova a consolidação da propriedade perante o cartório de registro de títulos e documentos, no lugar do procedimento judicial previsto em lei.
Tratando-se de assunto semelhante, recentemente, houve uma discussão para analisar a constitucionalidade do procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia. Nesse sentido, em sessão realizada em 25 de outubro de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) endossou a validade da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 (“Lei 9514/97”). Tal decisão, proferida durante a análise do Recurso Extraordinário (RE) 860631, que possui repercussão geral sob o Tema 982, autoriza que instituições financeiras retomem a posse de imóveis em casos de inadimplemento dos mutuários, sem a necessidade de intervenção judicial. A maioria dos votos convergiu para a conclusão de que a prática da execução extrajudicial em contratos marcados pela alienação fiduciária — situação na qual o imóvel é mantido como garantia sob o nome da entidade financiadora — está em harmonia com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Isso se deve, conforme destacado pelo voto do Ministro Relator, Luiz Fux, ao fato de que, diante de eventuais irregularidades, o devedor possui sempre a opção de buscar amparo judicial para a salvaguarda de seus direitos. Fux também enfatizou a importância do consentimento mútuo expresso nas condições contratuais entre as partes envolvidas.
Em complemento acima, ficou fixada a seguinte tese de repercussão geral:
“É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.
Para mais informações, segue o Voto do relator, ministro Luiz Fux e o Resumo do julgamento.
Rito processual da ADIN e a participação de “amicus curiae”
A ação de inconstitucionalidade proposta pela AMB foi autuada como ADI 7601 e provavelmente será julgada juntamente com a ADI 7600, sobre o mesmo tema e que foi proposta pela Uniao dos Oficiais de Justiça do Brasil (“UNIOFICIAIS/BR”). Ambas as ações foram distribuídas ao Ministro Dias Toffoli.
Durante o processo da ação direta de inconstitucionalidade, é importante destacar o papel do “amicus curiae” (amigo da corte), previsto no § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868/99. Essa figura permite que terceiros com interesse na matéria ou que possuam expertise relevante possam contribuir com o processo, fornecendo informações, subsídios ou perspectivas adicionais que auxiliem os ministros na tomada de decisão. O ingresso do “amicus curiae” no processo de ADIN é autorizado pelo relator da ação e visa enriquecer o debate constitucional com pontos de vista diversificados.
Pessoas físicas, entidades ou organizações que tenham representatividade e conhecimento específico sobre o tema em discussão podem solicitar para ingressar como “amicus curiae”. Esse mecanismo democratiza o processo de julgamento das ADINs, permitindo que a corte tenha acesso a uma gama mais ampla de argumentações e informações técnico-jurídicas, o que contribui para a qualidade e profundidade da análise constitucional realizada pelo STF.
Nosso escritório conta com uma equipe especializada em Direito Bancário, Operações e Serviços Financeiros. Para obter esclarecimentos sobre o tema, ou outros que sejam de seu interesse, por favor, entre em contato com nossos profissionais.
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