Geral
Projeto de Lei nº 1.179/2020, COVID-19 e o setor imobiliário
Com a finalidade de padronizar respostas às incertezas econômicas surgidas com a pandemia da COVID-19 e a consequente proposta de distanciamento social no Brasil, inclusive no que tange o setor imobiliário, está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.179/2020 (“PL”), proposto na última segunda-feira, 30 de março de 2020.
Os impactos do isolamento imposto pelas autoridades públicas na tentativa de conter a propagação do coronavírus foram imediatamente sentidos pelo mercado imobiliário, afetando consideravelmente as receitas de shopping centers, hotéis e espaços destinados ao coworking, fazendo surgir impasses na locação de imóveis comerciais e residenciais e gerando preocupação quanto à manutenção das atividades da construção civil. As incertezas alcançam até mesmo a manutenção dos arrendamentos de imóveis rurais.
O PL em análise dispõe sobre a criação do que chama de “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET)” e sugere “regras transitórias que, em alguns casos, suspendem temporariamente a aplicação dos dispositivos dos códigos e leis extravagantes”[1] pelo período de duração da pandemia, alegando não revogar nem alterar leis vigentes e limitar-se a matérias de Direito Privado. Questões tributárias, administrativas, falimentares e recuperacionais, por serem objeto de outros projetos de lei igualmente em trâmite no Senado Federal, não foram, portanto, tratadas no âmbito do proposto RJET, segundo ressalva constante na justificação do PL.
Como norte, o PL considera os efeitos jurídicos da pandemia da COVID-19 equivalentes àqueles decorrentes de hipóteses de caso fortuito ou de força maior, já regrados no artigo 393 do Código Civil, deixando claro que obrigações vencidas antes de 20 de março de 2020, data cravada pelo autor do PL como de reconhecimento do caráter pandêmico da doença no país[2], não seriam beneficiadas pela aplicação do RJET[3].
Assim, em linhas gerais, além de suspender e interromper todos os prazos prescricionais até 30 de outubro de 2020[4], o RJET traz regras excepcionais de aplicação da Teoria da Imprevisão no âmbito do mercado imobiliário ao estabelecer:
- LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS
- Ficam proibidas até 31 de dezembro de 2020 as concessões de liminares para desocupação de imóveis urbanos nas ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020[5];
- Manutenção das hipóteses de retomada de imóveis residenciais quando houver acordo entre locador e locatário e nos casos listados no artigo 47 da Lei nº 8.245/1991 (“Lei de Locações”), notadamente para uso próprio e de seus familiares[6];
- Possibilidade de suspensão total ou parcial do pagamento de aluguéis devidos a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020, nas locações residenciais em que o locatário sofrer alteração econômico-financeira negativa. Tais aluguéis suspensos seriam pagos a partir de 30 de outubro de 2020, em parcelas mensais equivalentes a 20% (vinte por cento) do total vencido[7];
- ARRENDAMENTOS RURAIS POR E EMPRESAS BRASILEIRAS EQUIPARADAS A ESTRANGEIRAS
- Até 30 de outubro de 2020, poderão ser firmados contratos de arrendamento de imóveis rurais por empresas brasileiras equiparadas a estrangeiras, isto é, cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras, suspendendo-se os efeitos da Lei nº 5.709/1971 a esses contratos[8];
- ARRENDAMENTOS RURAIS
- Os prazos dos arrendamentos rurais e dos limites de vigência para os vários tipos de cultura ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020, caso seus termos estejam estipulados para datas anteriores[9];
- O proprietário poderá, até 30 de outubro de 2020, notificar o arrendatário sobre novas propostas de arrendamento do imóvel rural, caso o prazo de 6 (seis) meses originalmente previsto na Lei 4.504/1964 (“Estatuto da Terra”) tenha termo até 1º de outubro de 2020. Nesta hipótese, o arrendatário terá 6 (seis) meses para exercer o direito de preferência na renovação do arrendamento, devendo o contrato permanecer vigente durante esse prazo[10];
- Nos casos em que o termo final do arrendamento ocorra até 1º de outubro de 2020, o prazo de 30 (trinta) dias para que o arrendatário se manifeste sobre seu desinteresse na renovação do arrendamento, caso não seja notificado pelo proprietário sobre propostas de terceiros, será contado a partir de 30 de outubro de 2020[11];
- O proprietário poderá, até 30 de outubro de 2020, notificar o arrendatário sobre seu interesse em retomar o imóvel rural para exploração própria ou de seus descendentes, caso o prazo de 6 (seis) meses originalmente previsto no Estatuto da Terra tenha termo até referida data. Nesta hipótese, o arrendamento permanecerá vigente por mais 6 (seis) meses[12];
- CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS
- Ao síndico, são conferidos poderes para: (i) restringir a utilização das áreas comuns dos edifícios; (ii) restringir ou proibir eventos que impliquem na aglomeração de pessoas nas dependências dos edifícios, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos ou possuidores diretos das unidades autônomas; e (iii) restringir ou proibir o uso das vagas de garagem por terceiros[13];
- Realização das assembleias condominiais e respectivas votações por meios virtuais, inclusive para os fins de: (i) destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio; (ii) aprovar a prestação de contas e o orçamento anual das despesas e das contribuições dos condôminos; (iii) eleger o síndico substituto; e (iv) alterar o regimento interno[14];
- USUCAPIÃO
- Até 30 de outubro de 2020, ficam suspensos todos os prazos de prescrição aquisitiva da propriedade imobiliária através de usucapião.
A tentativa de estabelecer um conjunto jurídico de direitos e deveres diferente do vigente, ainda que de forma transitória e em acolhimento à urgência dos agentes de mercado por soluções, não nos parece ser a resposta mais adequada e assertiva para estancar as implicações do surto da COVID-19 e do distanciamento social no setor imobiliário.
As regras do RJET, no formato proposto, apresentam lacunas que relativizam a segurança jurídica alicerçada pelas normas hoje vigentes. A exemplo, o legislador não deixa claro o prazo pelo qual o arrendamento por pessoa jurídica brasileira equiparada a estrangeira poderá viger, nem dispõe quanto à necessidade de efetiva comprovação da deterioração da situação econômico-financeira do locatário de imóvel residencial. O apanhado de soluções pontuais assinala para a desconsideração dos interesses contrapostos aos que o PL visa proteger. Interesses esses que são igualmente legítimos e que partem de agentes também afetados pela paralização social.
De toda forma, enquanto acompanhamos o trâmite do PL e o anúncio de medidas pelo Governo Federal e pelos governos locais, o melhor caminho continua sendo a negociação entre os sujeitos de direito, o bom senso e a análise do caso concreto, sobretudo por tratar-se de relações contratuais de Direito Privado num ramo tão sofisticado e essencial ao impulsionamento da economia, como é o setor imobiliário.
Nosso time de Direito Imobiliário está à disposição para discussão de quaisquer questões legais relacionadas à pandemia da COVID-19, visando soluções pragmáticas às situações já identificadas e àquelas que venham a ser verificadas em decorrência dos impactos da pandemia nos mais diversos negócios imobiliários.
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