Alerta
Decisões recentes da Superintendência-Geral do CADE trazem esclarecimentos sobre a notificação de operações envolvendo ativos imobiliários
O setor imobiliário tem sido alvo de atenção especial pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) no âmbito de análises de atos de concentração, destacando-se, pelo menos desde 2019, como um dos segmentos que mais submeteram operações à análise prévia da autoridade antitruste brasileira. Em 2023, o setor alcançou a marca de 70 operações analisadas pelo CADE, correspondendo a cerca de 12% do total de operações e sendo o segundo setor que mais submeteu notificações ao CADE¹ – perdendo apenas para o setor de energia, com 92 operações analisadas em 2023.
Essa realidade decorre em parte de entendimento ainda em desenvolvimento pelo CADE em relação à obrigatoriedade de notificação prévia de operações que envolvem ativos em geral e, em especial, ativos imóveis.
Da necessidade de notificação de operações envolvendo ativos
Em regra, negócios jurídicos são de notificação obrigatória ao CADE quando preenchem três requisitos cumulativos:
- (i) quando os grupos econômicos das partes envolvidas na operação atingem os critérios de faturamento bruto previstos em lei²;
- (ii) quando a operação produz ou possa produzir efeitos no território brasileiro³;
- (iii) quando a operação se configura como um ato de concentração, nos termos da lei.
Segundo o artigo 90 da Lei nº 12.529/2011, configuram-se como atos de concentração, entre outros⁴, aquisições de controle ou partes de uma ou outras empresas, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis. A partir desse dispositivo, o CADE tem compreendido, sob a referência de “aquisição de partes de empresas por meio da aquisição de ativos”, que operações que impliquem a transferência de ativos necessários ao exercício da atividade econômica das partes constituem-se como atos de concentração para fins da lei.
O desenvolvimento mais explícito desse entendimento pela autoridade concorrencial teve início em 2013, quando do julgamento conjunto de Atos de Concentração⁵ envolvendo operações de arrendamento de unidades frigoríficas, instalações industriais e outros ativos imóveis. Na ocasião, o Plenário do CADE expôs o entendimento de que ativos imóveis relacionados com a atividade econômica das empresas se constituem como um dos seus fatores produtivos, de forma que configurariam “partes de empresa” e a sua transferência poderia alterar a dinâmica competitiva do mercado.
Desde então, o CADE tem reiterado que são de submissão prévia obrigatória as operações envolvendo a transferência, mesmo temporária, de ativos imóveis entre agentes econômicos, tais como nas operações de aquisição de imóveis, arrendamento de ativos, concessão de direito real de superfície, direito de usufruto, entre outros tipos e estruturas de transações econômicas. No entanto, por se tratar de um alargamento interpretativo da disposição legal, cujo desenvolvimento jurisprudencial ainda se encontra em curso, tais negócios jurídicos têm demando atenção e cautela dos agentes econômicos.
Critérios de acordo com a prática decisória do CADE
Ao longo desse desenvolvimento jurisprudencial, o CADE tem estabelecido alguns conceitos e critérios para determinar as condições em que operações envolvendo ativos imóveis devem ser submetidas à apreciação prévia pela autoridade. Os precedentes indicam que o ativo objeto do negócio deve apresentar as seguintes características:
- (i) destinação específica;
- (ii) essencialidade em relação à atividade econômica da empresa adquirente;
- (iii) acréscimo de capacidade produtiva.
Em se tratando de conceitos abertos e desenvolvidos caso a caso, ainda faltam consistência e consolidação sobre o que esses critérios significam efetivamente nos casos concretos – o que afeta a segurança jurídica e a previsibilidade pelos agentes de mercado. Esse contexto exige, portanto, o acompanhamento constante e atento para verificar como o CADE está refinando seus critérios de análise e requer o exame apurado para constatar o enquadramento ou não de determinado negócio jurídico como ato de concentração.
Outro ponto importante encontrado na prática decisória do CADE é o fato de que os ativos não precisam estar em atividade ou operação para ensejar a necessidade de notificação da operação.
Jurisprudência recente
Decisões recentes da Superintendência-Geral do CADE (“SG/CADE”) no último mês ajudaram a lançar luz sobre essas questões, conferindo maior clareza aos critérios. No Ato de Concentração nº 08700.000735/2024-33⁶, a SG/CADE observou que é “necessário que o ativo guarde relação com a atividade operacional da Compradora e seja essencial para o desempenho dessas operações ante o estado em que se encontra”.
No entanto, no caso concreto, o ativo – que consistia em um imóvel não operacional, onde previamente funciona um atacarejo – demandava investimentos significativos e adaptações estruturais, de forma que, naquele momento, não poderia ser considerado essencial à atividade econômica da compradora (que atuava na compra e venda, aluguel e loteamento de imóveis e incorporação imobiliária).
Além disso, o ativo tampouco teria destinação específica para o que a compradora pretendia realizar, e não seria capaz de incrementar a sua capacidade produtiva – isto é, o terreno seria empregado como insumo para o desenvolvimento de outros negócios (não indicados na versão pública dos autos), após investimentos. Por essa razão, a operação não foi conhecida pela SG/CADE e a análise do Ato de Concentração foi dispensada.
Similarmente, nos Atos de Concentração nº 08700.001216/2024-92⁷ e nº 08700.001580/2024-52⁸, a SG/CADE novamente observou que os ativos objeto – respectivamente, (i) um imóvel não operacional e (ii) galpões logísticos – das operações estariam em estado que afastava o caráter de essencialidade desses ativos para a atividade econômica das compradoras – respectivamente, (i) compra, venda e locação de imóveis próprios e (ii) fabricação, engarrafamento, venda e distribuição de bebidas –, de forma que não representavam o acréscimo de capacidade produtiva e eram apenas acessórios às atividades desempenhadas pelas compradoras. Assim, novamente, as operações não foram conhecidas pela autoridade.
Essas decisões constituem uma importante sinalização para o mercado, pois indicam que não é o fato de que o ativo se encontra fora de atividade que afastará a necessidade de notificação ao CADE, mas o fato de que tal ativo, no estado em que se encontra, não se releva essencial ou não possui destinação específica para a atividade pretendida pela compradora, demandando ainda investimentos significativos para sua utilização efetiva.
Enquanto a autoridade dedica esforços para consolidar sua jurisprudência, é recomendável cautela por parte dos agentes econômicos para que não incorram na infração de gun jumping (por meio da não notificação de operações que o CADE considera como obrigatórias), nos termos do art. 88, §3º, da Lei nº 12.529/2011.
A equipe especializada em Concorrencial e Antitruste do Lefosse está atenta à evolução da jurisprudência do CADE e seguirá acompanhando de perto o entendimento da autoridade sobre o assunto, a fim de auxiliar na avaliação dos negócios jurídicos e transações econômicas envolvendo ativos em geral e imobiliários, em específico, em face aos desdobramentos ainda em curso sobre os critérios indicados.
Para obter esclarecimentos sobre temas relacionados à concorrência e notificação de operações no CADE, ou outros temas que sejam de seu interesse, por favor, entre em contato com nossos profissionais.
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¹ Informações disponíveis clicando aqui. Acesso em: 28 de março de 2023.
² Nos termos do art. 88 da Lei nº 12.529/2011, conforme valores posteriormente atualizado pela Portaria Interministerial MF/MJ nº 994/2012, quando pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00; e pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75.000.000,00.
³ Nos termos do art. 2o Lei nº 12.529/2011: “Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.”
⁴ O art. 90 da Lei nº 12.529/2011 dispõe que se realiza um ato de concentração quando: (i) 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; (ii) 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; (iii) 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou (iv) 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
⁵ Atos de Concentração nº 08012.008074/2009-11 (Requerentes: JBS S.A. e Bertin S.A.); 08012.002148/2012-01 (Requerentes: JBS S.A. e JEMA Participações Ltda.); 08012.002149/2012-48 (Requerentes: JBS S.A. e MJE Administração de Bens Ltda.); 08012.003367/2012-08 (Requerentes: JBS S.A. e FR Participações Ltda.); 08700.004230/2012-12 (Requerentes: JBS S.A. e SSB Administração e Participações Ltda.); e 08700.004226/2012-46 (Requerentes: JBS S.A., Tirolesa Alimentos Ltda, e RODO GS – Transportes e Logística Ltda.)..
⁶ Requerentes: Itajaí Street Mall Ltda. e WMS Supermercados do Brasil Ltda. Decisão em 4 mar. 2024.
⁷ Requerentes: Aujjo Participações Imobiliárias Ltda. e Bompreço Supermercados do Nordeste Ltda. Decisão em 13 mar. 2024.
⁸ Requerentes: SPAL Indústria Brasileira De Bebidas S.A. e Fulwood Investimentos e Participações Ltda. Decisão em 26 mar. 2024.
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