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Coluna Legal: Geração distribuída – Qual o futuro?
O Futuro da Geração Distribuída, por Raphael Gomes e Renato Edelstein
Há 6 anos que a Geração Distribuída tem sido a “campeã de audiência” em matéria de projetos renováveis no Brasil. Maneira simples e eficiente para o consumidor cativo investir em sua própria geração de energia, reduzindo seu custo em relação à tarifa das distribuidoras de energia.
Não há dúvidas de que os estímulos à Geração Distribuída (GD) se justificam pelos potenciais benefícios que tal modalidade pode proporcionar ao sistema elétrico, dentre os quais: a postergação de investimentos em expansão nos sistemas de distribuição e transmissão; o baixo impacto ambiental; a redução no carregamento das redes; a redução de perdas e a diversificação da matriz energética.
Aqui no Brasil, a GD foi tratada na Resolução Normativa Aneel nº 482/12 (“REN 482/12”), que criou o Sistema de Compensação de Energia Elétrica, aplicável a unidades consumidoras com micro ou minigeração distribuída. A microgeração distribuída é caracterizada por centrais geradoras com potência instalada até 75 quilowatts (KW) e a minigeração distribuída como aquela com potência acima de 75 kW e menor ou igual a 5 MW, conectadas por meio de unidades cadastradas em nome dos consumidores.
Contudo, com o crescente aumento das tarifas de energia resultante da crise hídrica e dos efeitos da Medida Provisória nº 579/12, a partir de 2015 houve uma migração elevada para o Mercado Livre de consumidores que possuíam consumo mínimo para tanto. Para consumidores menores (condomínios, comércio, pequena indústria e setor de serviços), a GD foi a saída encontrada visando a redução no custo de energia.
Atualmente existem mais de 825 mil usinas 100% dedicadas à GD, beneficiando mais de um milhão de unidades consumidoras. Conforme dados a seguir divulgados pela Aneel, a maior parte da geração e do consumo se concentra nas modalidades junto ao consumo e por meio do conhecido autoconsumo remoto.
Contudo, em que pese a consolidação da GD, ainda persistia certa insegurança jurídica no mercado em razão de toda a sua regulação estar presente somente em resolução, a qual ser encontrava em rito de alteração na Aneel.
Após intensos debates, que contaram com a participação efetiva da sociedade, foi sancionada a Lei nº 14.300/22, que institui o Marco Legal da GD.
Mas, afinal, o Marco Legal da GD trouxe mais segurança jurídica ou menos atratividade econômica aos projetos?
Entendemos que a atratividade econômica depende de inúmeros fatores, mas especialmente: do próprio tempo para payback do investimento realizado; e a capacidade de o projeto ser implementado dentro de um cenário jurídico estável que traga previsibilidade regulatória.
Dessa forma, o Marco Legal da GD tem como mote a preservação das regras atuais (mais benéficas) por 25 anos para os projetos já conectados – existentes na data de publicação da Lei; ou que protocolarem solicitação de acesso em até 12 meses contados da publicação da Lei.
A Lei nº 14.300/22 prevê um período de transição de 6 anos, com a utilização da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para custear gradativamente as componentes tarifárias da fatura de energia.
De acordo com o novo marco legal, competirá ao Conselho Nacional de Política Energética, após ouvir a sociedade, estabelecer as diretrizes para valoração dos custos e dos benefícios da GD, no prazo de até 6 meses contados da publicação da lei.
Não há dúvidas, assim, que o objetivo principal do Marco Legal foi trazer segurança jurídica e um cenário regulatório mais robusto, dessa vez resultante de lei e não apenas da regulação da Aneel.
Entre outros pontos, o Marco Legal trouxe as seguintes novidades: Modalidades de Geração Compartilhada; Redução dos limites de minigeração distribuída e Garantia de fiel cumprimento. Além das figuras do consórcio e cooperativa, já previstas na REN Aneel 482/12, a Lei prevê que a Geração Compartilhada possa se dar por meio de condomínio ou qualquer outra forma de associação civil, trazendo uma maior flexibilidade na modelagem das estruturas contratuais e jurídicas;
Será considerado como minigeração distribuída a central geradora de energia elétrica renovável ou de cogeração qualificada que não se classifica como microgeração distribuída e que possua potência instalada, em corrente alternada, maior que 75 kW, menor ou igual a 5 MW para as fontes despacháveis e menor ou igual a 3 MW para as fontes não despacháveis; e os interessados em implantar projetos de minigeração distribuída devem apresentar garantia de fiel cumprimento, em montantes definidos pela Lei. Excetuam-se as usinas nas modalidades de geração compartilhada e múltiplas unidades consumidoras.
O Marco Legal da GD é resultado de uma união de esforços para tentar chegar ao melhor texto possível que permita, de um lado, a equalização do chamado “subsídio cruzado”, com o pagamento gradativo do uso da rede e, de outro, a segurança jurídica para o desenvolvimento de novos projetos.
Alguns pontos continuam relevantes no desenvolvimento de qualquer projeto, tais como as responsabilidades das partes pela operação das usinas, o cuidado em relação ao fluxo financeiro dos projetos e a dinâmica própria, por exemplo, da estruturação de um consórcio ou cooperativa.
A longo prazo a equação financeira dos projetos será alterada? Provavelmente, mas com o prazo de transição e regras claras, o mercado irá se adaptar, criar novas soluções e tecnologias para manter a atratividade da GD.
A Lei ainda deverá ser regulada pela Aneel, mas já é possível afirmar que o marco Legal da GD representa um divisor de águas. Afinal, quem não quer investir em energia limpa, com segurança jurídica e ainda economizar?
*Raphael Gomes e Renato Edelstein são respectivamente sócio e associado sênior da área de Energia do escritório Lefosse.
Este artigo foi publicado na Coluna Legal, do Broadcast Energia do Estadão.