Alerta
ANEEL disponibiliza Nota Técnica sobre a “ativação” dos descontos na TUST e TUSD
Na última semana, as áreas técnicas da ANEEL concluíram a análise das contribuições recebidas na Consulta Pública nº 20/2023 (“Consulta Pública” ou “CP”), na forma da Nota Técnica n° 55/2024-SGM-SCE/ANEEL (“NT“). A CP recebeu contribuições entre 16 de junho e 31 de julho de 2023 para aprimoramento da regulamentação do art. 4° da Lei n° 14.120/2021, que trata do término dos descontos nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão e Distribuição (“TUST” e “TUSD”) aplicáveis sobre a energia gerada a partir de fontes incentivadas. O aprimoramento visado se daria pela revisão da Resolução Normativa n° 1.031/2022 e das Regras de Comercialização de Energia.
Embora o tema ainda vá passar por decisão da Diretoria da Agência, o fechamento da Consulta Pública era aguardado pelo mercado, especialmente dado o potencial impacto que a regulação do tema tem de causar em outorgas já emitidas, projetos em curso e em negócios concretamente estabelecidos no setor à luz da legislação vigente.
A seguir, resumimos os principais temas deliberados pelas áreas técnicas da ANEEL.
Ativação do desconto de uma usina nova: um dos principais pontos estabelecidos na NT foi o momento em que deve ocorrer a “ativação” dos descontos para as usinas que cumpram o prazo limite de 48 meses para entrada em operação comercial de todas as unidades geradora, a fim de se enquadrarem na regra de transição da Lei nº 14.120/2021. A expressiva maioria das 44 contribuições recebidas defendia que o direito ao desconto se dá por todo o prazo da outorga, de modo que o desconto deve ser aplicado desde a sua emissão pela ANEEL.
A proposta da área técnica da ANEEL, no entanto, é de que o direito ao desconto só seja reconhecido após a início da operação comercial da última unidade, o que na prática significaria que a outorga não nasce com o desconto, mas o adquire posteriormente, de modo que a energia gerada na fase de motorização não daria direito ao desconto tarifário.
No momento da abertura da Consulta Pública, o entendimento da ANEEL movimentou o mercado por ser contrário à interpretação dada pelas próprias entidades reguladas pela ANEEL e consolidada no tempo.
Tanto o Operador Nacional do Sistema – ONS, quanto a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, ao efetivarem a regra de transição prevista na Lei nº 14.120/2021, reconheciam o desconto desde o início da emissão da outorga. Em outras palavras: o ONS sempre reconheceu a cobrança reduzida da TUST para os empreendimentos de geração desde o início de sua cobrança, ao passo que a CCEE sempre aplicou o desconto a todo consumo de energia oriunda de tais usinas, independentemente da operação comercial de todas as unidades geradoras.
Assim, desde sempre as entidades setoriais, reguladas e fiscalizadas pela ANEEL, operacionalizaram a norma legal em linha com o defendido pelos agentes nas contribuições à CP, gerando nesses agentes a legítima expectativa de manutenção do entendimento até então aplicado pelos órgãos e entidades setoriais.
No entanto, a Nota Técnica de encerramento da Consulta Pública, a despeito de reconhecer que essa sempre fora a interpretação prática do comando legal conferida pelas entidades responsáveis pela operacionalização dos descontos, recomendou a aprovação de Resolução Normativa prevendo que o desconto tarifário somente seja aplicado após a entrada em operação comercial da última unidade geradora das usinas elegíveis, caso tal entrada ocorra em até 48 meses contados da data da outorga. A proposta ainda avançou ao estabelecer que, em relação aos descontos já aplicados pelo ONS e CCEE, ou seja, todos os atos jurídicos até então praticados, sejam desfeitos pelas respectivas entidades, ocorrendo a reapuração e recontabilização dos descontos.
Não cabimento de “excludente de responsabilidade” para aplicação dos descontos: a minuta de Resolução proposta rejeita a possibilidade de reconhecimento de excludentes de responsabilidade e veda “a divisão de central geradora em centrais de menor porte para se enquadrar nos limites de aplicação dos percentuais de redução [das tarifas]”.
Com isso, em termos práticos, ainda que a ANEEL reconheça que a não entrada em operação comercial de um agente no prazo de até 48 meses tenha se dado por motivos alheios à sua gestão, inclusive por atrasos do Poder Público, esse agente terá perdido o desconto.
Inaplicabilidade do regime trazido pela Lei nº 14.120/2021 para as outorgas emitidas já quando da sua publicação: o mercado defendia que aplicação do regime de transição estabelecido pela Lei nº 14.120/2021 somente deveria alcançar outorgas emitidas após a publicação da Lei, sem interferir nas outorgas já emitidas.
Nesse ponto, a área técnica da ANEEL propõe que a aplicabilidade dos requisitos para obtenção dos descontos ocorra apenas para as solicitações feitas entre a publicação da Medida Provisória nº 998/2020 e o prazo de 1 ano contado da publicação da Lei 14.120/2021. Em outras palavras, e como vínhamos defendendo, era de crucial importância estabelecer que as outorgas emitidas antes do regime de transição trazido não estivessem sujeitas ao prazo de 48 meses, porquanto os empreendimentos já tinham cumprido todos os requisitos vigentes para obtenção do desconto à luz da disciplina legal vigente à época.
Transferência para terceiros, no caso de empreendimentos hidrelétricos de até 30.000 kW: a Lei nº 14.120/2021 estabeleceu que os descontos para empreendimentos hidrelétricos de até 30.000 kW serão mantidos até o final das outorgas, desde que as respectivas outorgas não sejam transferidas a terceiros.
Nesse contexto, observou-se contribuições apresentadas no sentido de que não fosse permitida também a alteração da composição societária da empresa outorga. Ou seja, não somente a transferência da outorga, mas do próprio controle da empresa ensejaria a perda do desconto.
A ANEEL, contudo, no que entendemos acertado, estabeleceu que apenas a transferência da outorga enseja a perda do desconto, sendo permitida a alteração da composição societária do agente.
Vale esclarecer que, com a conclusão da CP, o processo administrativo deve ser devolvido ao Diretor Relator Hélvio Neves Guerra e posteriormente incluído em pauta para deliberação da Diretoria Colegiada da ANEEL. Além disso, a conclusão da Consulta Pública não impede a apresentação de novas manifestações no âmbito do processo por agentes interessados, sobretudo quanto às conclusões da Nota Técnica n° 55/2024-SGM-SCE/ANEEL.
Finalmente, importa pontuar que essa não é uma análise exaustiva do tema, uma vez que a Diretoria da ANEEL tem competência e atribuição para rever o posicionamento de suas áreas de apoio sempre que o considere inaplicável e/ou contrário ao espírito da lei e da regulação, decidindo em sentido contrário.
A equipe de Energia do Lefosse Advogados acompanha de perto os temas que movimentam o setor elétrico e está à disposição para auxiliar os agentes interessados neste e em outros assuntos.