Alerta
STF retoma julgamento sobre a constitucionalidade do Art. 19 Marco Civil da Internet
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje (4 de junho) às 14h o julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que regula a responsabilidade civil de provedores de aplicação por conteúdos publicados por terceiros em suas plataformas. O tema é central na discussão sobre a “regulação das plataformas” no Brasil e a sessão de hoje pode trazer novidades importantes, seja pelo resultado, seja por novos entendimentos que podem vir à tona.
O julgamento foi iniciado em 27 de novembro de 2024 e a questão central do debate é a exigência de ordem judicial prévia para obrigar os provedores de aplicação a remover conteúdos ilícitos. A análise ocorre dez anos após a sanção do Marco Civil da Internet e tem potencial para impactar diretamente a dinâmica de responsabilidade das plataformas digitais no país.
O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, estabelece direitos, deveres e princípios para o uso da internet no Brasil. O seu artigo 19, em particular, determina que os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos publicados por terceiros, exceto em caso de descumprimento de ordem judicial que determine sua remoção.
Este tema é analisado em dois Recursos Extraordinários: o RE 1.057.258, de relatoria do ministro Luiz Fux, e o RE 1.037.396, de relatoria do ministro Dias Toffoli, correspondentes aos Temas 533 e 987 da repercussão geral.
Os críticos do artigo 19 defendem a sua inconstitucionalidade, alegando que a exigência de ordem judicial prévia viola direitos constitucionais, especialmente direitos de personalidade e do consumidor. Segundo essa linha de pensamento, o dispositivo dificultar o combate a conteúdos ilícitos, incluindo fake news, e, na prática, cria um incentivo para a disseminação de conteúdos prejudiciais, impulsionados por algoritmos de engajamento das plataformas.
Por outro lado, aqueles que defendem a constitucionalidade do artigo 19 argumentam que a exigência de uma ordem judicial garante a previsibilidade, clareza e segurança jurídica, evitando remoções de conteúdos com base em julgamentos subjetivos ou precipitados pelas plataformas. Nessa visão, condicionar a responsabilização das plataformas ao descumprimento de uma ordem judicial ordenando a remoção de conteúdo evita a moderação excessiva e possíveis casos de censura privada, garantindo a proteção à liberdade de expressão.
Até o momento, três ministros já proferiram voto. Em 4 de dezembro de 2024, ao proferir seu voto, o ministro Dias Toffoli expressou seu entendimento de que o modelo atual é inconstitucional, pois não proporciona uma proteção efetiva aos direitos fundamentais no ambiente virtual. Segundo Toffoli, a norma do artigo 19 não é suficiente para enfrentar os novos desafios impostos pelas tecnologias digitais e suas implicações econômicas e sociais. Ele ressaltou que a regra confere uma espécie de “imunidade” aos provedores de aplicação ao restringir sua responsabilização.
À ocasião, o ministro Luiz Fux reforçou essa posição, argumentando que a norma favorece as plataformas ao conceder uma “imunidade civil”. Para Fux, conteúdos ilícitos ou ofensivos devem ser removidos imediatamente após notificação das plataformas, de forma a evitar sua disseminação e os danos que podem causar.
Em seu voto proferido em 18 de dezembro de 2024, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu que as plataformas digitais sejam responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros, sem a exigência de ordem judicial, apenas quando não adotarem as medidas necessárias para remover postagens objetivamente ilícitas. Contudo, ele considera haver situações, como nos crimes contra a honra, em que a remoção do conteúdo só deve ocorrer após ordem judicial. Caso contrário, na visão do ministro, há risco de violação à liberdade de expressão.
O julgamento foi então suspenso por pedido de vista do ministro André Mendonça, que devolveu o processo no último dia 26 de maio de 2025. Sua manifestação está prevista para amanhã, na retomada do julgamento.
A partir das manifestações iniciais dos ministros quando do início do julgamento, e considerando que ainda há espaço para maiores discussões, espera-se que os debates avancem no sentido de buscar a adoção de uma interpretação conforme a Constituição, ou seja, ajustando a aplicação do artigo 19 para buscar maior equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais e a liberdade de expressão.
Uma possível solução, discutida durante as sustentações orais anteriores, seria ampliar cautelosamente as hipóteses previstas no artigo 21 do Marco Civil da Internet, que já estabelece exceções à regra do artigo 19, como a responsabilização subsidiária de provedores por violação da intimidade. Esse modelo de “notice and takedown“, que já é utilizado para conteúdos específicos, poderia ser estendido para outros casos de conteúdos ilícitos.
No entanto, a discussão ganhou novos contornos recentemente. No último dia 26 de maio de 2025, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao STF um pedido de liminar para aplicação imediata de trechos do voto do ministro Dias Toffoli no julgamento. O pedido busca implementar desde já um conjunto de deveres propostos no julgamento — incluindo medidas como remoção de conteúdos ilícitos (por exemplo, discursos de ódio e incitação à violência), mitigação de riscos sistêmicos, maior transparência sobre algoritmos e moderação, autenticação de contas e responsabilização solidária em casos de impulsionamento ou monetização de conteúdos ilegais. A AGU fundamenta o pedido de tutela de urgência incidental na necessidade de impor desde já deveres de diligência às plataformas, a fim de prevenir danos irreparáveis decorrentes da circulação de conteúdos ilícitos — como fraudes contra consumidores, desinformação eleitoral, discursos de ódio e violência digital — enquanto o julgamento do tema prossegue no STF.
A relevância e o potencial impacto do tema também foram reforçados por declarações recentes. Em 2 de junho, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o julgamento pode representar um “esboço da regulamentação das mídias sociais” no Brasil. Já no dia 3, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu publicamente a urgência na regulamentação da atividade das redes sociais, ressaltando que essa regulação poderia ser conduzida tanto pelo Congresso Nacional quanto pelo próprio STF.
Diante desse cenário — que combina um julgamento com potencial impacto legislativo relevante e pressões institucionais e sociais crescentes — a retomada do julgamento poderá trazer definições importantes para o ambiente digital e regulatório no país.
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