Alerta
ANPD publica Nota Técnica sobre tratamento de dados pessoais no setor de varejo farmacêutico
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou, no dia 12 de maio, a Nota Técnica n.º 1/2022/CGTP/ANPD sobre práticas de tratamento de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis por parte do setor farmacêutico, trazendo os resultados dos estudos e monitoramento setorial conduzidos pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa (CGTP).
A iniciativa da ANPD foi motivada por notícias sobre o uso de dados biométricos[1] em farmácias, matérias jornalísticas sobre descontos condicionados ao consentimento em programas de fidelização e pelo recebimento de denúncias de titulares de dados.
Os estudos conduzidos pela CGTP contemplaram:
- investigações em curso por Ministérios Públicos estaduais sobre possíveis abusos na coleta de dados pessoais, como o CPF, em farmácias e drogarias[2];
- análise de políticas de privacidade de redes de farmácias selecionadas; e
- diálogos com associações representativas do setor[3].
Como resultado, no último dia 03 de maio o Conselho Diretor da ANPD determinou:
- a instauração de procedimento fiscalizatório pela Coordenação-Geral de Fiscalização;
- a análise, em cooperação com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), dos limites do consentimento como base legal para o tratamento de dados em programas envolvendo a concessão de descontos pelas farmácias e drogarias, especialmente em programas de fidelização; e
- a elaboração de medidas orientativas setoriais pela Coordenação-Geral de Normatização.
As principais conclusões da ANPD em sua Nota Técnica:
Práticas irregulares de tratamento de dados pessoais.
Foram constatadas no setor práticas de tratamento de dados pessoais em desconformidade com a legislação, tais como o tratamento de dados para finalidades diferentes daquelas informadas aos titulares, coleta excessiva de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis, ausência de informações nos sites institucionais sobre como os dados pessoais são tratados, ausência de informações claras sobre como os dados são tratados no âmbito de programas de fidelidade, dentre outras práticas.
Falta de transparência
Também foi constatada a falta de transparência sobre as atividades de tratamento de dados pessoais pelas redes de farmácias e drogarias.[4] Sobre este aspecto, foi destacada a ausência de informações sobre o compartilhamento de dados com prestadores de serviços e outros parceiros comerciais, como os responsáveis por programas de fidelização, que criam perfis comportamentais em suas interações com clientes, direcionam conteúdos baseados nos padrões de compra de cada titular e permitem que os clientes acumulem e resgatem pontos a partir de suas compras. De acordo com a Nota Técnica, não há informações claras aos titulares acerca do compartilhamento de seus dados pessoais e da prática de perfilamento conduzida com base em seus hábitos de consumo, o que dificulta a coleta do consentimento para essas finalidades.
Impossibilidade de exercício de direitos pelos titulares[5]
Diante da falta de transparência acerca das variadas finalidades de tratamento de dados, conforme apontado acima, o titular não tem acesso a informações adequadas que lhe permitam compreender a amplitude do tratamento dos seus dados, suas finalidades e consequências, o que acaba por impor dificuldades para que o titular possa exercer seus direitos conforme previstos na LGPD, como por exemplo, o direito de se opor ao tratamento de seus dados, inclusive sensíveis.
Baixa maturidade em adequação à LGPD
Diante desse quadro, a Nota Técnica concluiu que há baixa maturidade no setor de varejo farmacêutico no que diz respeito à proteção de dados pessoais, considerando as regras estabelecidas pela LGPD. Nesse sentido, haveria uma oportunidade para atuação efetiva da ANPD no campo educativo, a fim de promover a adoção de boas práticas em proteção de dados pessoais para os agentes do setor, sem prejuízo do exercício de eventual atuação fiscalizatória por parte do órgão.
Descontos condicionados ao consentimento
A Nota Técnica destaca a falta de transparência e informação sobre programas de fidelidade e a oferta de descontos condicionados ao fornecimento de dados pessoais. De acordo com o documento, muitas vezes o valor do desconto só é informado ao consumidor após este fornecer seus dados pessoais, como o número do CPF, o que também poderia configurar prática abusiva em violação ao Código de Defesa do Consumidor. A Nota Técnica destaca que se o consentimento for a base legal utilizada para fundamentar o tratamento dos dados no âmbito do programa de fidelidade, condicionar a concessão do desconto ao fornecimento dos dados poderia representar um vício no consentimento. Isso porque, para ser válido, o consentimento deve decorrer de uma “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda como tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada” (art. 5º, XII, da LGPD). Em se tratando de dados pessoais sensíveis, como dados biométricos, as condições para o fornecimento de consentimento são ainda mais rigorosas. Desse modo, a licitude de eventual consentimento fornecido nessas condições poderia ser questionável com base na hipótese de não decorrer da livre vontade do consumidor. Além disso, é possível que o consentimento também não possa ser considerado “informado”, outro requisito para sua validade, dada a ausência de informações claras a respeito do tratamento, como acima mencionado. Com base nessas constatações, a ANPD observou a necessidade de aprimoramento do diálogo com a Senacon, para discussão acerca dos descontos condicionados ao consentimento com o tratamento de dados pessoais.
Tratamento de dados biométricos
A Nota Técnica aborda as preocupações da ANPD com o tratamento de dados biométricos em estabelecimentos farmacêuticos, conforme relatos na mídia. De acordo com o documento, foi amplamente noticiado, em meados de 2021, que redes de farmácias e drogarias pretendiam coletar impressões digitais de consumidores para fins de confirmação de identidade e cadastro, de modo a viabilizar a prevenção de fraudes, o que, segundo as empresas, estaria amparado pela base legal prevista no art. 11, II, “g”, da LGPD (garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos). Embora a ANPD reconheça a biometria como uma tecnologia emergente de grande importância, a eventual adequação do tratamento de dados biométricos à LGPD, para as finalidades do varejo farmacêutico, exigiria ponderação de princípios como a necessidade, a finalidade e a adequação, conforme previstos no art. 6º da lei. A ANPD também ressalta que proporcionalmente à sensibilidade dos dados envolvidos no setor farmacêutico, o tratamento de dados biométricos também deveria observar medidas mínimas de segurança, compatíveis com a natureza de tais dados.
Diálogo direto com os agentes do setor
Também foi apontada a necessidade de a ANPD estabelecer uma relação de fiscalização diretamente com os agentes de tratamento envolvidos nos processos relacionados ao modelo de negócio das farmácias, inclusive os programas de fidelização, e não somente com suas entidades representativas. Isso seria essencial para se averiguar em detalhes as condições e as finalidade de cada atividade de tratamento de dados, as medidas de segurança envolvidas, os níveis de adequação à LGPD, dentre outros aspectos.
A íntegra da Nota Técnica está disponível aqui e o Sumário Executivo elaborado pela ANPD aqui.
[1] Dados biométricos podem ser definidos como informações relacionadas a características físicas ou comportamentais personalíssimas dos indivíduos, de forma a identificá-los de maneira única. Pode-se citar como exemplos a impressão digital, o reconhecimento facial, de íris, de voz, de retina e de digitação, arcada dentária, e até mesmo o DNA. A LGPD considera o dado biométrico como dado pessoal sensível, nos termos do art. 5º, II.
[2] Cf. Inquérito Civil Público nº 08190.030923/19-55, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Investigação Preliminar nº 0024.18.002027-3, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais; e o Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a Drogaria Araújo S/A, de 26 de fevereiro de 2019
[3] Dentre as associações representativas, destacamos a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – Abrafarma e a Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico – ABCFarma.
[4] A transparência é um dos princípios elencados pela LGPD e é definido como a “garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial” (art. 6º, VI, da LGPD). Esse princípio norteia o direito à informação previsto no art. 9º da LGPD, que dispõe que o titular tem “direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva”.
[5] Os direitos dos titulares estão previstos nos arts. 18 a 20 da LGPD.
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