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Alerta

  • 18 novembro 2021
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A nova Lei de Improbidade Administrativa

Principais alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, a Lei de Improbidade Administrativa, e os impactos na sua aplicação

No dia 26 de outubro de 2021 foi publicada a Lei n.º 14.230/2021, que altera diversos aspectos da Lei n.º 8.429/1992 (“Lei de Improbidade Administrativa”), modificando significativamente seu sistema de responsabilização.

De modo geral, muitas das alterações incorporam entendimentos já consolidados na jurisprudência. No entanto, alguns pontos do novo regime jurídico chamam especial atenção.

Sob a justificativa de “contenção a abusos” e necessidade de orientação da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa com base “em preceitos sólidos de garantia da ampla defesa, contraditório e presunção de inocência”[1], as alterações introduzidas parecem – ao menos na intepretação literal dos novos dispositivos – restringir a responsabilização de pessoas físicas (agentes públicos ou não) que praticam atos de improbidade, sobretudo por ampliar o standard probatório requerido para fins de responsabilização.

Indicamos adiante, de forma bastante sucinta, algumas das principais alterações da nova Lei de Improbidade Administrativa, que entrou em vigor na data de sua publicação.

Principais alterações introduzidas na nova Lei de Improbidade Administrativa

A primeira e mais notória alteração introduzida é a necessidade de comprovação do dolo específico do agente para fins de responsabilização por atos de improbidade administrativa – orientação que permeia todo o texto da lei.

A exigência do dolo para fins de responsabilização já vinha sendo prevista na jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que passou a exigir o dolo genérico para comprovação de atos de improbidade[2] negando, em alguns casos, entendimento de tribunais inferiores que admitiam a demonstração de culpa grave para condenação de indivíduos.[3]

Todavia, a nova Lei de Improbidade Administrativa usa a figura do dolo específico – na contramão do requisito do dolo genérico admitido pelo STJ.[4] Nesse aspecto, o dolo foi definido como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito”[5], não sendo suficiente a simples voluntariedade do agente ou o mero exercício de função pública. O posicionamento dos tribunais acerca da interpretação desse dispositivo será, em particular, fundamental para trazer maior previsibilidade – i.e., segurança jurídica – na configuração dos atos lesivos sob a ótica da Lei de Improbidade.

O novo texto legal contém, ainda, diversas outras modificações importantes[6] no que diz respeito aos requisitos para configuração de atos de improbidade: por exemplo, a partir de agora, consideram-se atos de improbidade administrativa somente as condutas tipificadas no rol taxativo dos artigos 9, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa[7], antes tido como uma lista exemplificativa de condutas. Adicionalmente, atos que violem, em abstrato, os princípios da Administração Pública não são mais considerados, necessariamente, como atos de improbidade.

Algumas alterações também vieram para solidificar entendimento majoritário jurisprudencial a respeito do regime jurídico de responsabilização das pessoas jurídicas por atos de improbidade. No regime anterior, a jurisprudência há muito já reconhecia que a responsabilização de pessoas jurídicas privadas dependia da efetiva comprovação que estes concorreram com o agente público para o ato de improbidade.[8] A grande novidade reside no fato de que, reconhecida a responsabilidade da pessoa jurídica com base na Lei 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), afastam-se as penalidades da Lei de Improbidade Administrativa[9], importante alteração para trazer maior clareza a respeito da lei aplicável aos atos que sejam simultaneamente puníveis por ambos os diplomas legais.

Vale lembrar que a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, independente de culpa ou dolo, e a responsabilidade solidária de empresas de um mesmo grupo econômico – ambas situações não previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Inclusive, as novas alterações legislativas vedam expressamente a desconsideração automática da personalidade jurídica para responsabilização, por exemplo, de outras empresas do mesmo grupo econômico – que dependerá da instauração de processo de desconsideração específico.[10]

De todo modo, a prevalência do regime de responsabilização da Lei Anticorrupção sobre o regime da Lei de Improbidade Administrativa na responsabilização de pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública representa um inédito e importante passo na compatibilização dos regimes da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa e na proteção do bis in idem.

A nova Lei de Improbidade Administrativa também prevê a responsabilidade por sucessão em hipóteses de reorganização societária (tais como fusões e aquisições) – algo já previsto na Lei Anticorrupção. Nestes casos, o sucessor responderá pela reparação integral do dano causado até o limite do patrimônio recebido[11], mas não se sujeitará às demais sanções (incluindo a vedação à contratação com o poder público), ressalvados os casos de simulação ou fraude.

Outra importante alteração é a previsão de legitimidade exclusiva do Ministério Público para propositura de ações de improbidade administrativa – antes atribuída a “qualquer pessoa interessada”. No que diz respeito às ações em trâmite que foram propostas por outras autoridades então legitimadas, a nova Lei de Improbidade Administrativa dispõe que o autor deve se manifestar no prazo de um ano se tem interesse ou não no prosseguimento das ações, sob pena de extinção da ação sem julgamento do mérito. Em mais um exemplo da restrição da responsabilização, a medida possivelmente reduzirá o volume de ações propostas em desfavor de agentes públicos e outras pessoas físicas e jurídicas, visto que o parecer do Ministério Público nesses casos passará a ser vinculativo e não somente opinativo, como era até então.

Do mesmo modo, o Ministério Público também passa a ter competência exclusiva para celebrar Acordos de Não Persecução Civil (“ANPCs”), uma inovação introduzida pela Lei n.º 13.964/2019 (conhecido como Pacote Anti-Crime), que pode ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade e deve ser submetido a homologação judicial.

Ademais, a nova Lei de Improbidade Administrativa também trouxe a possibilidade de imposição, a empresas signatárias de ANPCs, da adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade[12], no que parece ser um incentivo à adoção de uma atitude proativa, pelas empresas, na forma como negociam e atuam junto à administração pública.

No que diz respeito às sanções, o novo texto previu redução significativa no teto do valor das multas aplicáveis aos atos de improbidade administrativa. As multas foram limitadas (i) ao valor do acréscimo patrimonial decorrente das condutas previstas no art. 9º; (ii) ao valor do dano decorrente das condutas previstas no art. 10º; e (iii) a até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público nas condutas do art. 11. Não obstante, a nova Lei de Improbidade autoriza[13] o julgador, caso entenda que o valor da multa calculado é ineficaz para reprovação e prevenção de uma nova violação, a dobrar o valor da multa – algo que amplia a discricionariedade da autoridade no cálculo da sanção aplicável, desacompanhada de critérios mais claros de dosimetria.

Por outro lado, a ela também previu a majoração dos prazos em sanções de proibição de contratar com o governo, que podem chegar a até 14 anos.

No que diz respeito à prescrição, a nova Lei de Improbidade Administrativa também aumenta de cinco para oito anos o prazo prescricional para propositura de ações de improbidade, que passa a correr da data da prática do ato.[14] Em contrapartida, foram estabelecidos prazos de prescrição intercorrente (quatro anos) na ação por improbidade administrativa, a contar de marcos temporais específicos: (i) ajuizamento da ação até publicação de sentença condenatória; (ii) publicação de sentença condenatória até publicação de decisão ou acórdão de TJ ou TRF que confirme a condenação; e (iii) publicação de acórdão do STJ ou STF que confirme a condenação ou reforme acórdão que julgue improcedentes os pedidos.

Outra novidade introduzida foi o prazo para a conclusão de inquérito civil para apuração de ato de improbidade, que será de até 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período.

Sob um prisma processual, as alterações legislativas procuraram tratar de algumas matérias que haviam sido julgadas ou apenas afetadas para julgamento sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos pelo STJ: (i) Tema 701: passou-se a exigir a demonstração do periculum in mora para decretação da indisponibilidade de bens; (ii) Tema 1.042: afastou-se a necessidade de remessa necessária; (iii) Tema 1.055: passou-se a prever que a indisponibilidade recairá apenas sobre bens necessários ao ressarcimento ao erário, e não mais para se garantir o pagamento de multa civil.[15]

Por fim, não obstante a nova Lei de Improbidade Administrativa ter vigência imediata, interessante notar que, como muitas das alterações se mostram favoráveis aos agentes públicos, é possível que sejam aplicadas retroativamente em virtude de sua inserção na disciplina direito administrativo sancionador.[16] Tal aplicação retroativa poderá ocorrer, por exemplo, com relação à exigência do dolo específico na prática do ato de improbidade administrativa – cuja interpretação ficará, contudo, a cargo dos tribunais.

Conclusão

As modificações apontadas acima são apenas algumas das inúmeras alterações introduzidas na nova Lei de Improbidade Administrativa, afinal, apenas dois artigos da lei anterior não foram modificados. Estas e outras questões ainda bastante nebulosas – como por exemplo a proibição de punição com base em divergências hermenêuticas[17] e as restrições adicionais à indisponibilidade de bens dos acusados – devem ser objeto de intenso debate pela doutrina e jurisprudência.

Ao mesmo tempo que muitos dos aspectos introduzidos na nova Lei de Improbidade Administrativa apenas incorporam entendimentos já consolidados pelos tribunais, parece claro também terem sido adotadas novas restrições no alcance da norma. Vide, por exemplo, a restrição no rol de condutas e exigência de dolo específico para as condutas lesivas.

O maior encargo probatório das autoridades persecutórias, somado à legitimidade exclusiva do Ministério Público para a propositura das ações e a sanções mais brandas parecem reduzir, ao menos no texto da nova Lei de Improbidade Administrativa, o enforcement contra atos de improbidade administrativa – sobretudo no que diz respeito à responsabilização de indivíduos (agentes públicos ou não). Por outro lado, a expressa prevalência da Lei Anticorrupção sobre o regime da Lei de Improbidade Administrativa sobre as pessoas jurídicas tende a sedimentar importante debate dos últimos anos relacionado aos diferentes regimes (e respectivas) sanções aplicáveis.

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[1]  Vide parecer da Câmara dos Deputados – PRLP 1, da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o PL n.º 10.887/2018.
[2]    Vide, por exemplo, o AgRg no REsp 1.500.812/SE, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28.5.2015 e o REsp 1.512.047/PE, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 30.6.2015.
[3]    Por exemplo, para configuração da modalidade de improbidade administrativa prevista no art. 9º da Lei de Improbidade (enriquecimento ilícito e aferição de vantagem indevida) a jurisprudência há muito admitia a comprovação de culpa grave (Vide REsp 1.713.044). Contudo, em 13.10.2020, em uma decisão do STJ, a corte entendeu que culpa grave não é suficiente para uma condenação com base na Lei de Improbidade Administrativa, negando em parte uma decisão do TJPR. No voto vencedor dessa decisão, o Ministro Benedito Gonçalves argumentou que as todas as condutas descritas nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa requerem o elemento subjetivo (dolo) e que não podem ser julgadas com base exclusivamente na culpa (ainda que grave).
[4]    Vide REsp 1.275.469/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 9/3/2015, no sentido de que “para configurar ato de improbidade na Lei 8.429 /1992, inclusive por ofensa a princípio da administração (artigo 11), não se exige dolo específico, bastando o dolo genérico. Este, como sabido, verifica-se quando o agente realiza voluntariamente o núcleo do tipo legal, mesmo que ausente finalidade específica de agir”.
[5]    Art. 1º, § 2º da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[6]    Tal como a exigência de efetivo prejuízo para comprovação do ato de improbidade previsto no art. 10 (lesão ao erário) da lei.
[7]    Art. 1º, § 1º e 17 § 1º da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[8] Por exemplo, AREsp 1448060/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 17/12/2019 e REsp 1660381/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 21/08/2018.
[9] Art. 3º, § 2º da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[10] Art. 16, § 7º da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[11] Art. 8º e parágrafo único da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[12] Art. 17-B, §6º da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[13] Art. 12, §2° da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[14] Art. 23, §5° da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[15] Art. 16 e §§ da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[16] Art. 1, §4° da nova Lei de Improbidade Administrativa.
[17] Art, 1º, §8º da nova Lei de Improbidade Administrativa.


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